De 14 Set a 27 Out 2023
Que canto há de cantar o indefinível?
Por Daniela Mattos
Entre. Pegue um dos pequenos cubos empilhados – azul ou branco, à sua escolha. Antes, ou mesmo depois de percorrer a exposição, leia esse texto com o cubo em suas mãos. Perceba lenta e calmamente sua forma, matéria, textura, temperatura, tamanho. Deixe que esta espécie de prova do real seja sua companhia na experiência da visita.
A exposição Quando deixou de ser reúne obras recentes das Irmãs Gelli e trata, entre tantos outros conceitos, de um conjugar de dualidades. Há, neste movimento, algo que excede o que seria um contraste, ou seja, não percebemos nas obras elementos que possam ser apontados como ambivalentes ou excludentes entre si.
Diferente disso, notam-se coexistências e passagens que acontecem desde o processo de realização das peças, na matéria que é trabalhada entre os estados sólido e líquido, até a obtenção de uma geometria particular criada pelas artistas. Os trabalhos aqui exibidos, são moldados com estruturas e ferramental de criação cuidadosamente desenvolvido pelas autoras, numa plural manufatura, onde ambas compõem conceitual, formal, cromática e espacialmente cada etapa, combinando repetições e desvios ao longo do percurso.
A prática das artistas busca sucessivamente sublinhar, seja no incansável processo de realização das peças, seja no que se apresenta como obra final, a importância da presença, do que está diante de nós, do que vemos como matéria transformada e manejada no fazer (em duo, em diálogo). Deste modo, é especialmente pela presença conjugada, a nossa e a das obras, que algo importante acontece: é aí onde o que as artistas nos apresentam pode efetivamente ser corporalizado por nós. Portanto, o espaço do encontro conosco é um local intransponível para os trabalhos das Irmãs Gelli, nos permitindo questionar e, de certo modo, desfazer algo da crescente tendência global à virtualidade das relações, tanto no âmbito da arte quanto no da vida.
Caetano Veloso, na canção if you hold a stone (se você segura a pedra, em tradução livre), nos diz: se você segura a pedra, segure em sua mão, se você sentir o peso, você logo irá entender – numa aparente alusão à “prova do real”, pequena pedra que Lygia Clark dava aos participantes dos settings que realizava com seus objetos relacionais.
Deixe que este cubo seja a sua pedra, olhe para o que está aqui apresentado e busque atravessar tal experiência considerando que, em todos os trabalhos, temos camadas invisíveis aos olhos, mas perceptíveis nas sensações. Cada etapa que deixou de ser nestas obras também nos dá a ver o que aqui está, mesmo que por uma indefinível e ressonante ausência.
A estrofe do poema de Hilda Hilst, acima em epígrafe, inspiração para o título deste texto curatorial, ensina: cantar o indefinível, tocar com os olhos, entrelaçar os indescritíveis. Possível partitura, caros leitores-espectadores, para nosso mergulho na dialética visual e sensível que as Irmãs Gelli apresentam aqui.