De 25 Mai a 06 Ago 2018
A exposição, com curadoria de Ivo Mesquita, irá apresentar duas obras do artista: um conjunto de 09 fotogramas da série Lápidus e uma instalação, com as pedras que foram utilizadas na criação destes fotogramas. A realização da série Lápidus consistiu na reunião de pedras da coleção do artista recolhidas em várias regiões do mundo, ao longo de 35 anos, e foram organizadas em composições oníricas, de forma a criar pequenas aglomerações que remetem a realidades de outro lugar, de outras matérias: os asteroides, que conhecemos por imagens oficiais criadas pelas agencias espaciais internacionais, que ilustram a representação dos grupos de asteroides. Vicente transformou uma iconografia universal, que são “meramente ilustrativa”, e outra iconografia, que traduz a criação transcendeste. O nome da exposição, In Orbit , é um jogo sonoro que remete a uma sensação etimológica e cientifica.
lapidário (la-pi-dá-rio) s. m. Artista que lapida pedras preciosas.
O colecionismo é ajuntar coisas favoritas sem motivo aparente, tornando-as especiais por causa de uma história pessoal, que ninguém mais conhece. Mas desde que essas histórias não são reveladas, o resultado é algo triste, contido - “Guardar perde-se a coisa à vista”, como diz o poeta Antônio Cicero. Os Lápidus são fotogramas, imagens singulares pelo processo fotográfico realizado sem câmera e sem negativo, e consiste na simples impressões construídas pela velatura da luz direta que ocorre pelo contato de objetos sobre a superfície do papel fotográfico.
Com a colocação das pedras sobre o papel fotográfico, a forma destas é conseguida pela obstrução da passagem da luz sobre a sua superfície, sem relevo e volumes, como um ”desenho” branco sobre o fundo negro, que é a emulsão queimada pela luz em laboratório, onde o papel revelado é o resultado final.
As pedras não se repetem. As mais sólidas não deixam refletir os seus contornos, enquanto a leveza e a imprevisibilidade ocorrem com as mais claras e transparentes. Lápidus foi realizado em dois momentos, o primeiro em 2014 com 13 fotogramas e o segundo em 2017, com 09 fotogramas. Em um grande mesa, de 2,50 m de comprimento, estarão dispostas as pedras, na posição exata da composição dos fotogramas, recriando um modelo em escala 1:1.
Sobre o artista
Vicente de Mello nasceu em São Paulo, em 1967. Vive e trabalha no Rio de Janeiro. Formou-se em Comunicação Social pela Universidade Estácio de Sá e especializou-se em História da Arte e Arquitetura no Brasil, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ. Trabalhou no Departamento de Fotografia do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM-RJ, de 1989 à 1998. Têm sua pesquisa fotográfica, apresentada desde 1992.
Expôs e pertence à acervos relevantes, como, Centro Cultural Banco do Brasil, Rio de Janeiro; Espace Photographie Contretype, Bruxelas, Bélgica; Fondation Cartier pour l´art contemporain, Paris, França; Fundação DAROS, Zurique, Suíça;Itaú Cultural, São Paulo; Maison Européenne de la Photographie, Paris, França; MALBA, Buenos Aires, Argentina; Museu de Arte Contemporânea de São Paulo - MAC / USP; Museu de Arte de São Paulo - MASP - Coleção Pirelli; Museu de Arte Moderna Aluísio Magalhães, Recife; Museu de Arte Moderna de Brasília; Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; Pinacoteca do Estado de São Paulo; Coleção Gilberto Chateaubriand/MAM - RJ; Coleção Joaquim Paiva, Rio de Janeiro; Coleção José Olympio Pereira, São Paulo; Coleção José Roberto de Figueiredo Ferraz, Ribeirão Preto; Coleção Lhoist, Bruxelas, Bélgica; e SESC, São Paulo.
EM ÓRBITA | Ivo Mesquita
O fotógrafo Vicente de Mello vem desenvolvendo nos últimos dez anos alguns projetos em que a fotografia deixa de ser linguagem, o objeto do trabalho, para ser sua matéria. Em Pli selon pli (2009-2017), Death Valey (2014), Ultramarino e Fugitivo (ambos em 2015), a fotografia é apenas uma imagem do seu arquivo reproduzida em lambe-lambe, papel de parede ou azulejo para integrar-se a uma arquitetura ou desaparecer transformada em ambientes de instalações que promovem, para além do olhar do espectador, a sua interação com a imagem no espaço, já não mais identificável depois de multiplicada e manipulada.
Essa “fotografia expandida”, no dizer do artista, representa para ele a possibilidade de outras experiências sensíveis com a imagem, assim como amplia as possibilidades de sua prática no sentido da pesquisa sobre a natureza da imagem fotográfica, sua materialidade, história e imaginário.
A série Lapidus (2014-2017) constitui-se de 22 fotogramas com imagens em branco e preto, que se “apropriam” das imagens de grupos de asteroides obtidas por satélites e difundidas por agências espaciais, acessíveis em muitas mídias. De imediato, elas parecem retomar não a forma, mas o imaginário enunciado por Vicente na série Galáticas (2009), fotografias feitas de lustres, luminárias e neons que, por conta do enquadramento, composição e jogo de claro-escuro, assemelham-se a corpos celestes e evocam imagens documentais ou fragmentos de ilustração para ficção científica.
Lapidus (de pedra), entretanto, vai além desta referência para trabalhar memória e imaginação, jogar com o processo fotográfico e com a percepção da fotografia entre realidade e ficção. A partir de pequenos conjuntos de sua extensa coleção de pedras, de diferentes partes do planeta, reunida por mais de 35 anos, e papel fotográfico, Vicente produz imagens que transitam entre uma espécie de cartografia de asteroides que viajam no espaço estelar e pinturas abstratas modernistas, notadamente pelo caráter aveludado das superfícies dessas composições. São fotogramas únicos, produzidos pela disposição das pedras diretamente sobre o papel fotográfico, seguida da exposição delas à luz, como uma veladura, sem mediação de lentes ou negativos. No laboratório, como papel revelado, surge então um desenho abstrato com o contorno chapado das pedras, branco sobre preto.
O caráter lúdico e fantasioso sugerido por essas imagens está, no entanto, distante de algo acidental como a trajetória dos asteroides no espaço. Trata-se de um projeto planejado e controlado em todas suas etapas pelo artista: a escolha das pedras, a formação dos grupos de “asteroides”, a construção de uma paisagem, o tempo de exposição à luz.
Em In orbit, a mesa no centro da galeria, as pedras, escolhidas e organizadas segundo relações formais preestabelecidas, estão expostas na posição exata da composição de cada um dos fotogramas, recriando um modelo em escala 1:1000 dos asteroides no espaço, conforme vistos em fotografias “oficiais”. Constitui uma espécie de arquivo, um modo organizado de catalogar as pedras da coleção – tempo e memória – e mostrar o conjunto de plantas baixas/maquetes, o desenho original, a realidade criada e captada em cada um dos fotogramas em que Vicente inventa fragmentos de paisagens cósmicas. São a revelação do artifício, espécie de prova do crime. Mas não se toma como uma ironia resignada diante da voragem de imagens na visualidade contemporânea, mas sim como um gesto afirmativo da alegria de jogar com elas e pôr a imaginação em órbita, para além das imagens.
Ivo Mesquita é pesquisador, escritor e curador independente. Foi curador-chefe (2006-2012) e diretor artístico (2012-2015) da Pinacoteca do Estado de São Paulo; professor visitante no Center for Curatorial Studies, Bard College, Nova York (1996-2007); diretor artístico do Museu de Arte Moderna de São Paulo (2000-2002); curador-chefe da Bienal de São Paulo (1999-2000 e 2008), onde também trabalhou como pesquisador e curador assistente (1980-1988). Como curador independente (1989-1998), trabalhou e colaborou com instituições como a Winnipeg Art Gallery (Canadá), o Museo Reina Sofía (Madri), o Museo de Arte Contemporáneo de Barcelona (MACBA) e Fundación “La Caixa” (Barcelona), o Museu de Arte de São Paulo (MASP), a National Gallery (Canadá), o Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (MALBA) e o Museu da Gravura de Curitiba, entre outras. Vive e trabalha em São Paulo.