De 23 Set a 23 Out 2004
Trata-se de um artista francês pouco falado no Brasil. Conhecer a sua obra, de mais de 50 anos de trajetória, é uma obrigação. Não só para os iniciados, mas para todos que prezam um trabalho inteligente, preciso e lírico. É uma rara oportunidade que não deve ser desperdiçada. Além do quê, há enormes afinidades entre sua poética e o segmento construtivo da arte contemporânea brasileira. Ele mesmo faz questão de dizer que foi aqui, em sua primeira visita ao país, no início da década de 1950, que conheceu a obra do artista concreto suíço Max Bill e de seus herdeiros brasileiros, que tanto o impressionou.
Daquele momento em diante, começou o fascínio do artista pelo abstracionismo geométrico e as muitas variáveis lúdicas envolvidas na sua exploração. O que mais encanta em suas telas é a maneira como ele parte de uma premissa conceitual e a transforma em uma possibilidade formal. O resultado é sempre surpreendente e não se deixa domesticar pelo conceito que o gerou. Isso acontece não só nas suas pinturas, mas nas instalações realizadas a partir da década de 1960 e nas inúmeras intervenções urbanas. Podemos saber que são "40 mil quadrados de acordo com os números pares e ímpares de um catálogo telefônico", mas a tela que daí resulta atinge a nossa retina e instiga nossos olhos independentemente do que deduzimos, ou não, daquela partitura conceitual.
A primeira fase de sua obra poderia estar misturada dentro de uma exposição de arte concreta brasileira. Há uma pulsação óptica em algumas peças que conversa de perto com trabalhos de Abraham Palatnik e Almir Mavignier. O apelo cinético, o rigor construtivo e a disposição lúdica singularizam estas obras que tiveram inserção no cenário europeu na década de 1960, mas acabaram sombreadas, injustamente, pela hegemonia da arte americana.
A obra de Morellet antecipa muitas questões, procedimentos e materiais consagrados posteriormente pelo minimalismo e pela arte conceitual. Ter feito antes nem é o que mais interessa, mas sim a graça e a intensidade formal poucas vezes atingidas pelos seus pares americanos. Sol Lewitt, por exemplo, cuja estruturação geométrica compete em rigor com a de Morellet, acaba freqüentemente refém da premissa conceitual sem a surpresa decorrente do processo de formalização.
A aposta concentrada no fenômeno óptico, sintetizada na fórmula de que a arte é apenas o que nela se vê, comum aos minimalistas e a Morellet, procurava redefinir as expectativas e as formas de recepção artística. Toda pretensão subjetiva e qualquer tipo de espontaneidade criativa estavam postos em xeque. A arte deveria ser um exercício plástico que potencializaria nossa acuidade perceptiva. Como observou o próprio artista em um texto de 1958, "estamos persuadidos de que das relações mais simples (entre elementos geométricos, por exemplo) podemos extrair não só um profundo prazer estético, mas também uma compreensão cada vez maior do nosso próprio sentimento estético". É uma frase que poderia ter sido extraída do manifesto neoconcreto.
O deslocamento do plano para o espaço levou sua obra para perto da arquitetura e da cidade. São magníficos seus projetos urbanos. Há neles a mesma precisão e a mesma capacidade de produzir efeito óptico e surpresa poética presente nas pinturas. Em certos momentos, o humor atravessa a austeridade geométrica. Indiscutivelmente, é uma obra bem-humorada. É de uma simplicidade esquecida.
Luiz Camillo Osorio